Sábado 23 de junho de 2018/ 18:42 / foto reprodução google

Examino há muito esse afã dos jogadores em transe. O apego deles aos tabuleiros, ao som dos dados, o sacolejar dos palitos, o estalar das cartas. Os olhos acesos nos lances dramáticos denotam a hipnose que os prende à inteira atenção nos naipes, nos momentos das partidas, no troar dos bozós; das mesas; no girar das roletas. Quais habitantes vindos de outras dimensões, aqui chegaram de malas prontas de ilusão no rumo do desconhecido, instantes fugazes do Infinito, espécies extras de sobreviventes de naufrágios impossíveis desconhecidos no comum das horas.

Passo ali na Praça Siqueira Campos e vejo os tantos parceiros das mesas que viajam nas manhãs, perdidos nas horas que transcorrem e lhes abandonam, desfeitas na indiferença delas ao fluir daquelas condições absortas.

Sempre lembro as noitadas de que se têm notícias da decadência de fortunas, em chácaras, terraços e quintais; pessoas que tudo lançaram num único lance de sorte e viram sumir das mãos o que juntavam décadas a fio em outras noites de sucesso. Embriaguez, febre, temeridade, tão bem contadas por Dostoiévski na sua obra O jogador.

Desde que me entendo de gente, nas terras do Cariri, sei de nomes que perderam as posses nas mesas de jogos, além dos que as obtiveram em sucessos, e estabeleceram patrimônios. As cidades possuem suas bancas de jogo, tradicionais lugares que consolidam a herança das décadas passadas. Eles, os jogadores aficionados, alimentam o costume e, em torno de si, chegam os tracionais perus, torcedores silenciosos e clássicos. Vivem as intensas emoções desse furor que os domina, espécie de vício misterioso, dotado de contrições e desesperos, dependência e charme, quedas e ascensões.

O hábito do jogo por vezes ganha âmbitos coletivos, nos estádios, nas quadras, nas pistas, invadindo raias de normalidade e nutrindo de circos na função de acalmar a fúria das multidões. Estudiosos estimam serem catarses coletivas, aonde populações desaguam frustação, carências e impossibilidades, transformadas em competição pública, expressão das limitações e motivo de paixões e júbilos dos grupos sociais.

Na sua pequenez, os humanos descaem à busca de respostas junto aos oráculos das sinas, os jogos e as guerras. Acesos ao fervor dessas aventuras do invisível, apostam com o Tempo o direito de ser feliz, ainda que seja só durante poucos quadrantes dessas migalhas e a mais transitória das felicidades.

 

Por Emerson Monteiro

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